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Plataforma digital ressignifica a deficiência como uma fonte de criatividade

As deficiências costumam ser vistas como algo que precisamos “acomodar”, e não como algo a ser celebrado. Mas a nova plataforma digital Visible Voices pretende mudar essa ideia.

A plataforma mistura um pouco de revista, galeria de arte e loja online com curadoria. No todo, ela busca reposicionar a deficiência como uma fonte de cultura, criatividade e estilo, com a ideia de que acessibilidade e estética não precisam estar em lados opostos.

Criada pela jornalista Bérénice Magistretti e pelo empreendedor criativo Reuben Selby, ambos com deficiências invisíveis, a Visible Voices é a plataforma que eles gostariam que existisse quando começaram a lidar com suas próprias identidades.

Com uma pegada editorial que lembra uma mistura da revista “Vogue” com o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), ela deixa os recursos tradicionais sobre deficiência no passado. O resultado é um tipo de “rebranding” cultural e um manifesto de design que é visualmente impactante e, ao mesmo tempo, radicalmente inclusivo.

“Por que a deficiência ainda é um assunto que nos faz pisar em ovos?”, questiona Selby. “Por que temos tanta dificuldade em assumir isso com orgulho? Percebemos que faltava um espaço. Um espaço onde as pessoas pudessem sentir orgulho de quem são – não apesar das suas deficiências, mas por tudo que aprenderam com elas. Um espaço que não fosse hospitalar nem pesado, mas sim vibrante, criativo e humano.”

Desenvolvida ao longo de um ano, a plataforma Visible Voices foi pensada com tanto cuidado no visual quanto no conteúdo. O site (em inglês), feito em parceria com a agência de design Droga5, foi criado com acessibilidade desde o início, sem abrir mão do impacto visual.

Entre os recursos acessíveis já integrados estão o botão para alternar entre modo claro e escuro e versões em áudio de cada artigo. Em vez de depender de plugins ou sobreposições convencionais de acessibilidade, cada decisão de design foi feita pensando tanto na beleza quanto na usabilidade.

O estúdio de design tipográfico Modern Type também desenvolveu uma fonte exclusiva e super legível para facilitar a leitura no site. E os designers de som da Lucky & Bamba criaram um logotipo sonoro, traduzindo o nome da marca, em braille, para uma escala musical.

Bérénice Magistretti e Reuben Selby, criadores da plataforma digital  Visible Voices
Bérénice Magistretti e Reuben Selby (Crédito: Inez & Vinoodh/ Visible Voice

O resultado é uma experiência digital rica em sentidos, que convida o usuário a se conectar com o conteúdo de várias formas. “Estamos acostumados com logos visuais, mas e se você não consegue enxergar um logo? Você deveria poder ouvi-lo, senti-lo. Foi isso que criamos, e esperamos que inspire outras marcas a pensar diferente”, diz Magistretti.

No coração da Visible Voices estão três pilares editoriais que buscam rever a deficiência através de um olhar cultural: uma revista, uma galeria digital e uma loja online com curadoria.

"Megan", obra de Anna Neubauer do acervo da Visible Voices
“Megan”, de Anna Neubauer (Imagem: cortesia Visible Voices)

A revista traz histórias que conectam deficiência e estética. Tem, por exemplo, a missão da cabeleireira Anna Cofone de tornar o mundo da moda mais acessível; o trabalho da artista têxtil Caterina Frongia, que usa braille em suas tapeçarias; e os relatos da ativista Nadya Okamoto sobre como é viver com Transtorno de Personalidade Borderline.

A galeria “vozes criativas” destaca artistas que são pessoas com deficiência ou que estão repensando como a deficiência é retratada na arte contemporânea.

Entre eles estão Florence Burns, ilustradora que já trabalhou com Nike e o canal britânico Channel 4; a premiada fotógrafa Anna Neubauer; e Riva Lehrer, pintora, escritora e defensora dos direitos das pessoas com deficiência.

Desert, quadro de Florence Burns do acervo da Visible Voices
Florence Burns, Desert, 2022 (Imagem: cortesia Visible Voices)

A loja online assume uma postura ousada: pessoas com deficiência também merecem produtos que sejam bonitos, além de funcionais. Apesar de o trabalho de ONGs, fundações e movimentos de base continuar sendo essencial no apoio às comunidades com deficiência e na luta por mudanças sistêmicas, Magistretti e Selby optaram por estruturar a Visible Voices como um negócio com fins lucrativos.

“O comércio tem um papel enorme em fazer a cultura avançar. As pessoas compram o que as marcas dizem que elas devem comprar, então, representatividade importa muito”, explica Magistretti.

obra The Ballad of Human Mutations, de Aliteia, do acervo da Visible Voices
“The Ballad of Human Mutations” (Imagem: cortesia Visible Voices)

“Se a gente só vê pessoas sem deficiência nas campanhas e nos desfiles de moda, a ideia que fica é que o mercado para pessoas com deficiência é pequeno, porque não é visível. Mas quanto mais representatividade houver na moda e na beleza, mais visibilidade geramos – e visibilidade cria demanda.”

No fim das contas, diz Magistretti, pessoas com deficiência não são só pacientes comprando produtos médicos funcionais. “Elas são consumidoras, que querem adquirir o que desejam, o que as faz se sentir bonitas e bem com elas mesmas.”

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