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Ela incentiva, mas também destroi. Qual a medida certa da ambição?

A ambição é uma das forças mais poderosas no comportamento humano – um motor psicológico que empurra as pessoas além da simples sobrevivência e as leva a criar, inovar, transformar. É um forte indicador de sucesso acadêmico, desempenho no trabalho, crescimento na carreira e renda.

No fundo, a ambição é uma recusa em aceitar o que está dado. É uma pressão interna que leva você a querer ultrapassar seus próprios limites e, muitas vezes, os da sociedade também. De certo modo, a melhor definição de ambição é a incapacidade de se contentar com o que já foi conquistado.

A ambição alimenta a liderança, porque incentiva as pessoas a assumir responsabilidades, pensar diferente e engajar os outros em torno de uma visão comum.

Ela também move o espírito empreendedor, pois é o que dá coragem para correr riscos, insistir mesmo quando tudo parece difícil e acreditar, com teimosia, que sempre existe um jeito melhor – e que encontrá-lo não é só possível, mas necessário.

Sem ambição, a inovação empaca. Com ambição, desafiamos o que está estabelecido, quebramos padrões e resolvemos problemas que outros já tinham aceitado como inevitáveis. Em todas as áreas – da ciência à arte, da política aos negócios –, os grandes avanços da história quase nunca vieram de gente acomodada. Eles foram fruto de mentes inquietas, movidas por ambição.

O mundo, em boa parte, é obra de pessoas ambiciosas. De quem não conseguia ficar parado, não aceitava os limites impostos pela tradição e sentia que precisava agir para fazer valer suas próprias ideias – mesmo que elas parecessem impossíveis ou fossem impopulares.

A ambição transforma a insatisfação em impulso. Transforma imaginação em estrutura. Ela não só explica quem chega ao topo, mas também por que as civilizações se expandem, as tecnologias avançam e as culturas evoluem.

AMBIÇÃO EM EXCESSO É VENENO

Só que, como toda força poderosa, a ambição precisa de equilíbrio.  Em uma dose muito pequena, ela deixa a pessoa à deriva. Em excesso, vira obsessão e começa a sufocar qualidades essenciais como humildade, capacidade de colaboração e até senso ético.

Quando a ambição sai do controle, ela para de servir à pessoa e passa a exigir sacrifícios – de relacionamentos, valores e até da saúde a longo prazo. Ela pode distorcer a forma como nos vemos, fazendo a pessoa acreditar que é um herói solitário num jogo onde só um pode vencer.

Times e equipes sofrem quando a ambição de um destrói a empatia com os outros. A busca por resultados pessoais começa a minar a confiança, a cooperação e o ambiente psicológico seguro. Um impulso competitivo que ignora as necessidades alheias acaba corroendo a base de qualquer empresa que funciona bem.

Michael Douglas em cena do filme "Wall Street: Poder e Cobiça", de 1987
“Wall Street: Poder e Cobiça” (Crédito: Amercent Films)

A ambição sem freio costuma escorregar para a ganância, uma fome insaciável, não só de vencer, mas de dominar. Como diz o personagem Gordon Gekko, no filme “Wall Street: Poder e Cobiça”, “a ganância é algo bom” – uma frase provocadora que até combina com o ritmo acelerado do mercado financeiro, mas que vira uma filosofia perigosa quando aplicada sem critério.

A ganância corrói o contrato social. Ela justifica abusos, aceita atalhos antiéticos e trata as pessoas como peças descartáveis.
No mundo da liderança, isso pode criar culturas tóxicas, decisões de curto prazo e fracassos estrondosos.

Empresas que são movidas apenas pela ambição, sem nenhum limite, até podem crescer rápido, mas muitas desabam mais rápido ainda, afundando em arrogância, exaustão e escândalo.

O CASO DA WEWORK

Adam Neumann, cofundador e ex-CEO da WeWork, é um exemplo clássico de como a ambição desenfreada pode levar a uma queda espetacular.

Ele começou com uma vontade ousada: “melhorar a consciência do mundo” com uma empresa de coworking que prometia reinventar a forma como vivemos e trabalhamos. Seu carisma e sua ambição quase infinitos fizeram a WeWork crescer em um ritmo alucinante, atraindo bilhões em investimentos.

Mas a ambição de Neumann rapidamente ultrapassou os limites do que era viável. Ele expandiu para áreas como moradia (WeLive), educação (WeGrow) e outros negócios que não tinham nenhuma coerência entre si.

Adam Neumann, ex-CEO da WeWork, participa de debate
Adam Neumann, ex-CEO da WeWork (Crédito: Getty Images)

Começaram a surgir relatos de comportamento instável, conflitos de interesse e uma cultura corporativa que girava mais em torno do mito pessoal de Neumann do que de uma gestão sólida.

Em 2019, quando a WeWork tentou abrir na bolsa de valores, vieram à tona várias inconsistências financeiras e o estilo de liderança questionável de Neumann. O IPO fracassou, ele foi forçado a sair da empresa e a avaliação da WeWork despencou.

O problema não era a ambição em si, mas o fato de que ela se tornou delirante, descolada da realidade e, no fim das contas, destrutiva para a sustentabilidade do negócio. Neumann serve de exemplo de como uma visão ousada, quando não vem acompanhada de disciplina e humildade, pode virar um risco em vez de um trunfo.

UMA ESTRATÉGIA MAIS SUSTENTÁVEL

Pessoas com uma dose saudável de ambição tendem a ter metas claras, senso de propósito e motivação suficiente para se manterem engajadas. Mas, ao contrário dos hiper ambiciosos, elas são menos propensas a sacrificar relacionamentos pessoais, sono ou saúde mental em busca de progresso constante.

Essas pessoas também tendem a valorizar mais o equilíbrio, praticar o autocuidado e definir sucesso em termos mais amplos do que apenas cargos ou salários. Isso as torna não apenas indivíduos mais felizes, mas, muitas vezes, colegas e líderes melhores.

A ambição sem freio costuma escorregar para a ganância, uma fome insaciável de dominar.

Pessoas moderadamente ambiciosas têm mais chance de manter os pés no chão. Conseguem ser ambiciosas sem serem delirantes, motivadas sem serem obcecadas e confiantes sem serem arrogantes. Assim, costumam tomar decisões melhores a longo prazo.

Em vez de perseguir todas as oportunidades ou competir com todos ao redor, elas se concentram nos avanços mais importantes. Em um mundo que frequentemente glamuriza a ambição extrema, vale lembrar que a boa vida raramente se vive à beira do esgotamento e que, às vezes, mirar no “suficiente” é a estratégia mais inteligente e sustentável de todas.

PASSANDO DOS LIMITES

A ambição é uma ferramenta poderosa, mas, como qualquer ferramenta, pode se tornar perigosa quando mal utilizada ou supervalorizada. Em um mundo que associa esforço incessante à virtude, corremos o risco de promover as pessoas erradas, construir culturas equivocadas e perseguir objetivos distorcidos.

Homem aponta para o  alto, em referência ao  conceito de ambição
Crédito: Freepik

Esquecemos que a ambição não é inerentemente nobre, ela apenas amplifica o que já existe. Nas mãos certas, catalisa inovação, serviço e progresso. Nas erradas, alimenta o ego, a exploração e o colapso inevitável.

O desafio, então, não é rejeitar a ambição, mas recalibrar nossa relação com ela: parar de tratá-la como um fim em si mesma e começar a enxergá-la como um meio para algo maior. Isso exige uma mudança coletiva na forma como definimos o sucesso: não como a capacidade de ofuscar os outros, mas como a de elevá-los.

Precisamos parar de confundir ambição com potencial de liderança, carisma com competência e visibilidade com valor. É hora de recompensar os discretamente excelentes, os focados nos outros e os movidos por impacto.

A forma mais saudável de ambição é aquela que vem acompanhada de um propósito claro, autoconhecimento e um compromisso com o sucesso coletivo. Ela não sobe pisando nos outros — ela faz todo mundo crescer junto.

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