Como ter o melhor ‘match’ entre o estagiário e a empresa?
Estagiários oxigenam a cultura corporativa — e também são diretamente impactados pela maneira como são acolhidos, treinados e desenvolvidos nas empresas. Afinal, o estágio é o primeiro contato com o mundo do trabalho para muitos deles e pode definir toda uma trajetória.
Bruno Venancio, diretor jurídico e de RH da Coris, e Mônica Marcele de Oliveira, supervisora do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), explicam a forma que as empresas devem estruturar essa relação e o que os estagiários da geração Z esperam (e precisam).
DESAFIOS DOS PRIMEIROS PASSOS DO ESTAGIÁRIO
A entrada no mercado de trabalho pode ser um choque de realidade para quem só teve experiências escolares e familiares até então. “É como entrar em uma nova família. Às vezes, o estagiário ouve o primeiro ‘não’ e já se desestimula. O reconhecimento nas empresas costuma ser bem mais lento do que nas redes sociais”, analisa o executivo da Coris.
Entre as principais dificuldades apontadas por Mônica estão:
– Insegurança
– Falta de experiência
– Comunicação
– Gestão do tempo
– Adaptação às regras e à cultura da organização
Por isso, o papel da liderança é fundamental para tornar esse processo mais fluido. “O gestor é o elo entre a empresa e a formação do futuro profissional. Cabe a ele ser mentor, dar feedbacks e acompanhar de perto”, destaca Mônica.
ATUAÇÃO DE LÍDER E RH NA FORMAÇÃO DE TALENTOS
“Quando o estagiário é bem acolhido e pode aplicar na prática o que aprende, ele passa a confiar na empresa, nos líderes e tende a querer crescer ali dentro”, defende o diretor.
Na Coris, por exemplo, os líderes são treinados para desenvolver uma relação próxima com os liderados. “É preciso diálogo, escuta ativa, metas bem definidas. Não adianta ter a cultura e os propósitos da empresa colados na parede, se eles não forem vividos no dia a dia.” A empresa também adota um processo de acompanhamento nos primeiros meses, com escuta ativa de estagiários e líderes.
Já o maior erro, segundo Venancio, é contratar um estagiário apenas para ‘tapar buraco’. “O programa precisa ser estruturado, com objetivos claros. Eu trato o processo seletivo do estagiário com o mesmo cuidado do praticado para contratar um profissional sênior. É preciso ter bem definido o perfil que deseja contratar, qual será a sua atuação, metas a serem cumpridas antes de ir buscar no mercado. Senão, a empresa terá o retrabalho de buscar um outro profissional, se aquele não cumprir tais requisitos”, reforça.
TECNOLOGIA E SEM VÍCIOS CORPORATIVOS
Um programa de estágio, quando bem estruturado, influencia a cultura, estimula a inovação e pode até revelar lacunas internas, segundo Mônica.
“Eles aliviam a carga das equipes e promovem dinamismo na rotina”
Mônica Marcele de Oliveira, supervisora do CIEE
“Os estagiários colaboram em tarefas operacionais, projetos de inovação e apoio a áreas técnicas e administrativas. Eles aliviam a carga das equipes e promovem dinamismo na rotina”, diz a executiva.
O diretor da Coris complementa: “quando entra um estagiário, a empresa testa a sua cultura. Eles são críticos, percebem as falhas e nos desafiam a melhorar.”
Além disso, segundo o executivo, o estagiário traz uma visão limpa da vida, uma nova perspectiva. “Ele detecta com rapidez o que não funciona. Se a empresa tem uma boa gestão, esse frescor é um presente para todos os envolvidos.”
A supervisora do CIEE acredita que os jovens das novas gerações trazem um olhar conectado com as tendências tecnológicas e sociais. “A empresa que os estimula a participar aprende com esse olhar externo e oxigena seus processos”, explica.
Mas é importante que o estágio esteja alinhado com o propósito e os valores da empresa. “Quando compreendem os objetivos estratégicos da organização, os estagiários se engajam mais e se tornam protagonistas do próprio aprendizado”, completa.
PME: VIVÊNCIA EM DIFERENTES ÁREAS
Enquanto algumas empresas ainda veem o estagiário como mão de obra barata ou como forma de preencher cotas, as pequenas e médias empresas (PMEs) que compreendem o real valor desses profissionais conseguem transformar o estágio em um diferencial competitivo.
Outra vantagem das PMEs é a possibilidade de oferecer um ambiente que permita um contato mais direto com os líderes e a possibilidade de transitar por diferentes áreas da empresa, o que favorece o aprendizado.
“Esse tipo de experiência amplia a visão sistêmica do jovem e ajuda a identificar mais cedo onde ele pode ter uma performance melhor. Na minha empresa, os estagiários rodam em todos os departamentos. Isso só é possível em empresas menores, que conseguem moldar melhor a experiência”, afirma Venancio.
Ao formar talentos desde cedo, a PME constrói um pipeline interno de profissionais alinhados à sua cultura e necessidades, diz a executiva do CIEE. Isso reduz custos futuros com recrutamento e acelera o desenvolvimento de competências estratégicas.
ESTÁGIO: O INÍCIO DE TUDO
Se bem orientado, o estágio influencia diretamente as escolhas futuras do jovem profissional. “É o primeiro espelho do mundo do trabalho. Ele forma percepções sobre liderança, ética, metas e cultura empresarial”, diz Mônica.
Além disso, os estágios funcionam como laboratórios profissionais. “Ajudam o jovem a entender suas preferências e competências. Moldam o futuro profissional e até decisões acadêmicas”, completa.
NOVAS GERAÇÕES: MAIS CONEXÃO, MENOS RÓTULO
Apesar da tentação de enquadrar jovens em perfis geracionais, Venancio defende um olhar mais humano. “Sou contra guerra geracional. RH não pode classificar pessoas. Precisa conectar”, afirma.
“RH não pode classificar pessoas. Precisa conectar”
Bruno Venancio, diretor jurídico e de RH da Coris
Na sua experiência, o que os jovens mais buscam hoje é qualidade de vida. “Qualidade de vida não tem uma definição única. Se, para ele, isso significar passar menos tempo na empresa, é o que vai buscar. Cabe ao RH escutar e entender os anseios de cada um”, diz o diretor da Coris.
Para aplicar agora: 6 dicas para estagiários e RHs
Estagiários:
- Seja curioso: perguntar não é sinal de fraqueza, é sinal de interesse.
- Aceite os erros: eles fazem parte do processo, especialmente no início.
- Tenha voz: saber se posicionar e dar opinião é essencial.
- Relacione-se bem: suas habilidades interpessoais são tão importantes quanto as técnicas.
- Observe a cultura: entenda os valores da empresa e veja se eles fazem sentido para você.
- Aproveite o laboratório: use o estágio para descobrir seus interesses e áreas de afinidade.
RHs e líderes:
- Estruture bem o programa: tenha objetivos claros e saiba o que espera do estagiário.
- Treine os líderes: eles precisam estar preparados para receber e orientar.
- Não rotule gerações: foque na conexão entre pessoas e no desenvolvimento individual.
- Promova acompanhamento: escute ativamente estagiários e gestores nos primeiros meses.
- Ofereça experiências variadas: rodízios e projetos interdepartamentais, shadowing ou pequenas lideranças em iniciativas pontuais são excelentes.
- Mostre perspectivas: indique caminhos de crescimento e aprendizado na organização.